ROMANCE X (1999): A percepção da imagem e do discurso

rafael
7 min readJul 8, 2021

Embora o sexo tenha em sua conjectura a importância da vida, estando nivelada por interesses políticos e principalmente religiosos; o sexo, ainda assim, tem em sua natureza uma identidade trivial. Revela ao sujeito (e "sujeito" no sentido filosófico moderno) apenas mais uma das descobertas de pouca importância em sua jornada de vida. Mas, ao menos se o sexo não tenha o mínimo interesse para o indivíduo, nos rendemos a essa força transitória do desejo da carne e dos ímpetos da nossa alma eternamente desejante. E pelo sentido de eternidade, nosso corpo está no sentido oposto, residindo nessa constante preservação do próprio, seja em meios moralistas ou biológicos, em um sexo que sempre irá representar um portal por onde o nosso lado mais animalesco ganha uma voz.

Neste sentido, Catherine Breillat é uma diretora que utilizou da sua forma de expressão da maneira mais evidente possível. Do cinema à pornografia, cria-se uma divisória débil de seus limites obscenos em que a diretora utilizou desse impasse moralista uma solução, ao meu ver, bem-sucedida. Basta percebermos como Catherine Breillat evidencia os seus possíveis desconfortos de uma maneira em que o corpo humano, em contraste com a luz, a montagem e o tempo, uma afirmação de relação passiva na imagem; na verdade, talvez o corpo tenha o seu valor muito mais ativo, obviamente, mas nem um, nem outro, buscam o seu momento de glória de modo individual e egoísta ao discurso. Estão unidos em uma percepção que pretende, desde as palavras e os gestos, a expressão mais honesta que Breillat conseguir tirar daquilo.

Pois, se inicialmente tínhamos em "Eros", filho de Afrodíte, a representação grega do desejo sexual pelo puro desejo de ser, e no passo da história da humanidade ideias como "Ágape" (amor em grego) defendiam o amor incondicional, aos poucos foi sendo ressignificado para uma projeção moralista sobre a preservação do corpo e o casamento como conservação dos impulsos sexuais. Logo está o sexo, uma prática significantemente trivial, condenada a outra representação em que, esta sim, ao meu ver, supervalorizando-o, como proibido e sujo. Porém, se foi necessário para os gregos encontrarem no símbolo de um Deus o sentido para o desejo sexual, não me surpreende como Catherine Breillat, além de seu espetacular talento em enquadrar corpos, também tenha a sua importância pós-filosofia moderna.

Isto é, se até mesmo o sexo com todo o seu estigma conseguiu ainda ser representado por um Deus, não é menos surpreendente como para Catherine Breillat tudo que pode ser levado ao pé da letra com a mais simples cena de sexo (seja feminismo, machismo, etc.), muitas vezes, não representa coisa alguma. E principalmente em um momento em que o puritanismo atual critica até mesmo filmes e séries inofensivas da Netflix, Breillat em 1999, com o seu provocador "Romance X", mostrou-se muito mais interessada em um valor visualmente objetivo do que a um discurso moralista que será alimentado pela jornada, ora frustrante, ora restauradora, de Marie, namorada de um modelo chamado Paul que não demonstra mais interesse sexual por sua parceira, forçando-a a procurar novas experiências sexuais com outros homens. Surgindo aí a incoerência daquele puratismo que citei anteriormente no qual idealizam (de modo fragilizado) as cenas de sexo em filmes não-pornográficos como desnecessárias. 1) Eu não posso responder se em todas as cenas de sexo, em qualquer filme, têm ou não seu valor narrativo, mas em relação aos filmes que já assisti, e de diretores como Breillat, do "Cinemá du Corps", o sexo não buscou esse valor provocativo unicamente pela subverção, mas sim pelas formas representadas em tela. A verdadeira libido cinematográfica se permite apenas ao que é mostrado e não ao verbalizado, propriamente. Logo, dizer que algo é desnecessário quando necessariamente está experimentando, ou manifestando sua liberdade expressiva, é no mínimo limitadora e moralista. 2) A pornografia é bastante dúbia neste sentido, principalmente em relação ao cinema, ora explorativa, ora libertadora. Para o cineasta Bruce LaBruce, underground, a pornografia é uma arte, mas salienta que são poucos os pornôs feitos como arte (no sentido primário). De modo breve em uma definição rápida sobre o que é a arte para ele, apresenta vários sentidos: a arte é “cheia de camadas”, “questionadora”, “consciente”, e, esta realmente muito importante, “que não seja exploradora”. E até hoje não tendo a
discordar desta posição de LaBruce, pois evidentemente para ele o cinema e a pornografia foram um meio de produção artístico que colaborou com questões de liberdade por meio do sexo. Para LaBruce, o audiovisual é "Eros", enquanto que para Catherine Breillat nem uma, nem outra coisa, criando-se uma parábola em que "a > 0" se assemelha a "imagem > discurso".

Uma história dos bastidores demonstra bem isso. A atriz Caroline Dulcey na época que começaram as gravações namorava um rapaz, que rapidamente ficou ciente de que as cenas do filme teriam sexo, principalmente envolvendo Dulcey. Além do mais, muito se falava a respeito da veracidade das cenas sexuais, se eram simuladas ou não. E no meio disso, temos também a cena de sexo entre a personagem de Dulcey com Roco Siffred, um ator pornô. Tal cena muito comentada por conta do tamanho do pênis de Roco, idem chamou a atenção do namorado de Dulcey. Na época da pré-produção do filme, Catherine Breillat, com pena, autorizou com que o rapaz assistisse a cena em que sua namorada transava com o ator, da qual aliviou-se ao perceber que não houve penetração. Porém, se houve ou não a penetração, nunca saberemos (ou se essa história é verídica) já que os atores e a diretora (e principalmente ela) são discretos com seus segredos. Entretanto, a sacada de Breillat nesta cena pode ser a pulga que ficou atrás da orelha do possível namorado e também do público, uma vez que temos a nudez e uma proximidade íntimida dos atores, mas não ganhamos o explícito; somente a percepção.

Certamente naquele dia o rapaz deitou-se com sua namorara com a consciência mais limpa, coisa que não acontecia no filme. A primeira vez que vemos Marie, ela está murcha, observando a distancia o seu namorado que, no momento, maquia-se e depois posa para fotos. Logo mais tarde, conversando sobre a vida sexual de ambos, o casal se divide entre choro e frieza. Sem dúvidas a frieza vem do rapaz, Paul, que evita, de modo obsessivo, certos maneirismos sexuais da namorada, como um toque mais íntimo ou um sexo oral. E por mais que um toque sempre será somente um toque, e um desejo sempre será apenas um desejo, é impossível não captar a frustração de Marie ao ser esnobada pelo namorado, do qual ela é loucamente apaixonada. O que revela, novamente, a ideia de percepção romântica e sexual de uma maneira insatisfatória — perturbadamente adversa.

Talvez, diferente de um Abel Ferrara que vê no sexo uma potência ao sujeito, Breillat vê da maneira mais inclinada à raiva, desrealizada, fraca e quase completamente sem prazer. Isto se não uma maneira mais lúdica e curiosa a respeito do sexo em "Uma Adolescente de Verdade" (1999) que perfeitamente realizou o sexo como uma longa e honesta descoberta. Já Marie, em sua jornada, se conforma com o que tem. Primeiro com um homem no bar, revelando uma câmera que estaria atuando da mesma maneira em todos os momentos, durante o sexo, que se mantém por todo o ato sem cortes, até ao gozo, remoto, pelo persevativo. Mais tarde, uma experiência, esta sim bastante reveladora. Vemos como Breillat é bastante prática. Uma mulher de poucas voltas e muito direta: a transformação da personagem com esse tal de Don Juan feioso e estranhamente cavalheiro de François Berléand está estampado no vestido vermelho que a personagem usa, lá pelas tantas dos encontros, abraçado por cordas de um joguinho BDSM, indicando a sua descoberta. Chegando perto do final, Marie é colocada em conflito entre o Velho e o Novo Testamento. Aceitando um sexo oral de um desconhecido na rua, Marie é estrupada nas escadas do prédio em que mora com seu namorado. Chegando no apartamento, arrastada pelas vontades mais manipuladoras, convence seu namorado, por osmose, a deitar-se com ela e fazer amor. Sexo este que é interrompido pelo próprio namorado antes do gozo. Mais tarde, Marie está grávida após algumas elipses de tempo.

Considero uma das coisas mais interessantes nesse filme a narrativa que Breillat resolve adotar. O modo como o
voice-over evidencia uma certa fragilidade das imagens antes mesmo delas deixarem escapar essa frontalidade, sendo até um pouco desastrosa. Principalmente quando a protagonista, após matar o marido, busca acertar as contas com Deus dizendo que botou o mesmo nome do pai no filho. Percebemos como existe nesse caminho uma sugestão simbólica que, até o meu momento de compressão a respeito do autorismo de Breillat, era algo incomum. Provavelmente projetar essa frieza estética de modo tão evidente nos cenários onde se encontravam o casal seja o axioma daquela parábola. É um drama que não se vitmiza. É um pornô que não se entrega ao prazer. É um filme que não é e não pretende ser. Este é o exercício da percepção da qual Catherine Breillat utilizou de seu autorismo mais primário para revelar uma unidade que não só busca sobressair indivíduos com seus desejos de um modo desfigurado, mas para utilizar dessa percepção desfigurada uma constante clareza, presente em todos os seus filmes, defronte desses corpos errantes e divididos entre o prazer e a dor, da imagem pela imagem.

8 de julho de 2021

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