THE LAST OF US (2013, Neil Druckmann e Bruce Straley) — Crítica
O exclusivo do Playstation pode até ser comovente, mas longe de ser um bom game.
Assim como um filme, The Last of Us se articula perfeitamente nas batidas cinematográficas de uma narrativa clássica que, no entanto, torna cutscenes (filminhos durante o jogo) mais importantes do que a própria imaginação de gameplay.
Em semelhança com centenas de jogos lineares, de campanha, trazem enredos parecidos e de propostas de gameplay parecidas também, como é o caso de Resident Evil 4 (2005). Mas não compartilham de tantas semelhanças assim além do óbvio objetivo de proteger uma jovem de monstros num mundo caótico. Em vista de enquanto o jogo de terror se encontra dentro dos mecanismos do gênero, no qual se utiliza de arquétipos e maneirismos, The Last of Us vai pelo caminho contrário de uma herança "cinematográfica".
A Naughty Dog, desenvolvedora do game, já fazia isso há alguns anos com a série Uncharted. O jogo de ação e aventura avançou seu legado de gameplay passivo, porém em constante reinvenção narrativamente e em principal no segundo jogo da franquia em que conseguiu perfeitamente equilibrar a narrativa mais "cinematográfica" enquanto jogo de plataforma em vários aspectos da campanha. O que não se repetiu com regularidade no terceiro jogo: em capacidades gráficas unicamente pelo valor exibicionista técnico e muito pouco de valor criativo na história e nos cenários, me leva a crer que, curiosamente, The Last of Us constantemente é lembrado por sua "capacidade técnica" nas expressões, vegetações, movimentações, porém nunca por um valor além disso - e sempre colocando CGI’s nas cutscenes para fim de torná-las mais realistas.
Talvez o trabalho de Neil Druckmann como roteirista seja esse de impactar pelas possibilidades daquele mundo como história. Uma vez que a jornada em gameplay nunca se demonstra, pelo menos ao meu ver, algo imprevisível, logo a história toma para si a "obrigação" de prender o jogador até o fim e, consequentemente, conservar o jogo durante anos assim como uma múmia.
Mas lógico que não deixa de ser um trabalho bastante ingrato do desenvolvedor, na minha opinião, quando claramente ele não parece tão contente ao fazer um jogo (ou estar limitado a essa tarefa) — já que não mostra muitos aspectos criativos na gameplay além de apuro técnico de realismo. Que poderia se tornar algo impressionante aos olhos de um adolescente de treze anos na época e que hoje em dia não passa de uma experiência impessoal.
Há claramente uma irregularidade no que propõe de equilíbrio entre gameplay e história.
E antes de mais nada, me coloco como esse garoto de treze anos porque fui ele em 2013 jogando The Last of Us pela primeira vez no lançamento. E antes disso, ainda, recordo da primeira gameplay que assisti inúmeras vezes do jogo: a sequência no hotel no qual apresentava Joel e Ellie enfrentando alguns inimigos. Já naquela época, fã de Uncharted, fiquei bastante impressionado pelo resultado revelador daqueles movimentos: ao invés de situações explosivas e regadas a munição infinita ao mesmo tempo que Drake escala prédios desmoronando, no mundo pós-apocalíptico tudo parecia ser racionado e o fator de sobrevivência (perigo!) era, pelo menos naquela gameplay, de muita importância.
Mas, agora, as coisas não surgem mais tão comoventes e espontâneas como naquela gameplay.
Por exemplo há uma cutscene com Joel e Ellie viajando de carro que é surpreendido por outro de uma gangue de saqueadores. Encontra-se ali uma plasticidade na reação de Joel lutando inquestionavelmente viva, porém quando termina o minigame e o jogador volta para a mecânica padrão estamos novamente presos no pseudo livre-arbítrio de sobrevivência enquanto só resta matar os inimigos da mesma maneira de sempre e seguir na história.
Por isso chego à conclusão que o jogo parece odiar sua própria natureza digital, mesmo que a própria forma de arte do videogame seja das mais criativas possíveis, onde o "se você consegue imaginar, você pode filmar" de Stanley Kubrick torna-se o "se você pode imaginar, você consegue JOGAR". Entretanto, o jogo se prende numa construção de personagens bastante clássica - e nada de errado quanto a isso, o problema surge mesmo quando isso é levado ao pé da letra.
Só comparar com jogos que seguem o mesmo formato de campanha fechada em troca de telas, ou seja, nem aberto e nem semi, atribuem dinâmicas e capacidades até mesmo gráficas e de gameplay superiores as de The Last of Us. Um exemplo recente ao do lançamento em 2013 é Max Payne 3 (2012), Rockstar Games. A vida amargurada de Max é trabalhada de forma gradual e pesada no sentido dramático em conjunto com as cutscenes que nunca estão maiores ou menores que a gameplay. O valor de prosseguir a campanha e os objetivos atirando em inimigos tem o mesmo valor de quando o protagonista está enchendo a cara e depressivo.
É frustrante perceber que o máximo que The Last of Us consegue oferecer para fortalecer a relação entre os personagens é na gameplay de ir buscar pedaços de madeira para a Ellie flutuar sobre a água ou de diálogos enquanto passamos pelos cenários em busca de um novo ponto de tela e atirar em inimigos ou estaladores.
Momentos na gameplay em que podemos espancar inimigos com os braços, com pedaços de pau e ferro, são cheios de energia e de fato verbalizam por meio desses movimentos a violência daquele mundo em que Joel perde a filha e aos poucos vai reconquistar, vinte anos depois, uma nova esperança com Ellie. Esses pesadelos vão se somando até chegar no limite da força entre afeto e sobrevivência dos personagens — quando Ellie mata o primeiro homem, quando Joel mente e por aí vai — até então quando encontramos girafas passeando num cenário perto do clímax como se o jogo estivesse sendo generoso com o jogador que percorreu até ali momentos de sufoco emocional com os personagens.
Mas nada - exatamente nada - consegue me dizer qual a grande diferença entre um The Last of Us em jogo ou em livro, filme, gibi. Nada declara o mesmo como pertencendo a esse tipo de linguagem. Poderia existir em qualquer outra que daria na mesma.
Com tudo isso, estou espantado também com toda essa comoção por gamer chorar em live, vídeo no Youtube, como se fosse algo raro em jogos; como se o videogame fosse considerado uma arte tão genérica aos olhos dessas pessoas que a única proposta esperada é a diversão escapista (que também não deve ser desmerecida).
Mais irônico ainda é reparar como nos anos seguintes jogos como The Order: 1886 (2014) começaram a surgir aos montes e como se estivessem conservando uma ideia mal concebida de um tempo não muito distante.
Nota: 2/5
12 de maio de 2020